segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Mais relatos sobre o massacre do Pinheirinho

O Pinheirinho foi desocupado e cerca de sete mil pessoas não tem para onde ir. Boa parte dessas famílias se dirigiram para a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que fica nas cercanias do acampamento. A prefeitura disponibilizou uma tenda na qual realiza o cadastramento dessas famílias e deixam-nas pernoitar, enqua...nto aguardam uma solução definitiva (se houver). Muitos moradores temem o local erguido pelo poder público. Estive no local nessa segunda. A ação de desocupação ocorreu as seis da manhã de domingo, após uma decisão autoritária da Justiça Estadual que não esperou os trâmites legais das liminares e seguiu com a desapropriação (ilegal) da área. Os moradores foram acordados com o helicópteros, tropa de choque, gás de pimenta e balas de borracha. A ação era totalmente inesperada, pois a Justiça Federal concedeu uma liminar na sexta a noite ordenando qualquer ação de despejo ser adiada por 15 dias. Segundo relatos que ouvi, a polícia entrou de casa em casa retirando famílias que tomavam o café da manhã ou ainda dormiam. De acordo com uma moradora, dois policiais entraram em sua casa, jogaram-a para fora enquanto atiravam os pratos de comida de seus filhos na parede, sob os gritos: "Agora aqui é não é lugar de comer mais" ou "Estamos cumprindo ordens" (resta saber de quem, já que a última decisão da Justiça era favorável aos moradores). Assustada, a ocupante me contou que morou durante quatro anos na Rocinha, favela do Rio de Janeiro, a maior da América Latina, "mas que nunca havia visto coisa parecida". A polícia do Rio de Janeiro ficou famosa pela sua truculência e desrespeito aos direitos humanos nas últimas investidas na "guerrra ao tráfico". Em muitas ocaisões a ação da policia de São Paulo foi justificada como um "guerra à cracolândia". Em três anos de visitas intensas ao local nunca presenciei a produção, uso ou venda da droga. As notícias que chegavam davam conta de três a cinco mortes não confirmadas (a confusão é grande, muitos ainda não encontraram seus parentes e a prefeitura nao fez o cadastro de todos, por descaso ou por conta de seu desrespeito as essas pessoas). Um morador me contou que depois de retirado de sua casa, viu sua mulher tomar uma bala de borracha na cabeça enquanto segurava seu filho no colo. Após isso, seus vizinhos relataram a morte de uma criança de cerca de três anos, provavelmente moradora do setor G do acampamento. A criança tomou um tiro, os pais e parentes revoltados atacaram o carro da polícia que foi incendiado. Segundo os policiais, eles haviam sido agredidos, segundo os mesmo, a reintegração foi pacífica. No centro de triagem da prefeitura, uma das moradoras que se arriscou a ser cadastrada foi recebida com tiros de bala de borracha no corpo e no dedo do pé. Muitos moradores se recusam a receber o atendimento da prefeitura por medo. Segundo relatos, depois de cadastradas as famílias são separadas: maridos das esposas e os pais dos filhos. A tenda que deveria comportar todos os moradores é, visivelmente, insuficiente. Se não fosse a recusa de grande parte da população em ir a esses centros, eles estariam superlotados e situações degradantes. Não permitiram a minha entrada nesses locais. Os moradores também estão sendo impedidos de voltar as suas casas para recolher os seus pertences. Muitos deles estão com medo de saques ou da destruição de seus bens. Um morador gastou os 350 reais de seu sálario como pedreiro em mantimentos para sua família (seis pessoas, ao todo). Com a desocupação no domingo toda a comida está "confiscada" pela polícia. Todo o consumo de sua família está reduzido a cinquenta reais que conseguiu economizar. Segundo se diz, algumas casas já estão no chão. Muitos estão sem documentos e veem sendo abordados constantemente pela PM em blitzs montadas no entorno do local, sendo levados em seguida para a delegacia. Não se tem a contagem total de presos. A maioria das pessoas não conseguem nem sair para trabalhar e sem dinheiro vivem de doações que chegam a Igreja. Na noite passada a PM jogou bomba de gás por cima da Igreja para obrigar os acampados a saírem, assim que estão na rua são abordados pelos oficiais e muitos deles acabam presos. Essa tática de confusão e reversão do papel de agressor/agredido também foi usada no momento da desocupação e provou-se de grande valia para os PMs que insistem em dizer que estão sendo provocados. Uma mulher, vizinha da Igreja, foi espancada por tentar conter o abuso das autoridades. São José dos Campos conta com um déficit habitacional de 27 mil famílias. A região onde o Pinheirinho se encontra foi contemplada com construção de 524 casas até 2011 com a política habitacional da prefeitura. Segundo o PNUD, orgao da Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 2000, São José contava com uma população de seis mil pessoas vivendo em condições subnormais de habitação. Em 2011, num domingo, em apenas um dia, em apenas uma área da cidade, cerca de sete mil pessoas perderam suas casas e a esperança.


Relato de Inácio Dias de Andrade, pesquisador da Ocupação Urbana de Pinheirinho.

Um comentário:

  1. Mano Inácio, estive lá ontem durante a guerra que lá teve e acho que muita gente não perdeu a esperança não. Raiva, indignação, vontade de lutar mais e mais contra essa injustiça desse jagunço desse coronel, desse assassino do Alckmin, desse canalha do Cury, dessa juíza escrota e bandida, dessa polícia covarde.
    A guerra está apenas começando e todos nós temos que lutar contra o governo e a favor do Pinheirinho.

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